sábado, junho 04, 2005

Moacir

Cervejas, três. Um sanduiche aberto e uma porção de fritas. Trinta e quatro reais. Mais dez por cento do serviço. O que resultou disso? O que acrescentou? Uma tremenda vontade de ir no banheiro. De resto, nada. Uns sorrisos. Charme para lá, charme para cá. Mas, nada de concreto. Noite perdida? De jeito nenhum. Ao voltar para casa tenho que levar a cachorra (de raça) para fazer xixi. Sim, ela não faz em casa. O que é uma bênção. Quando estou retornando com ela para casa, um homem de meia estatura, de cor errada (para a sociedade brasileira como um todo) muito educado e envergonhado. Acompanhado de mulher e criança. Todos vestidos de forma simples mas limpos, você podia ver em seus rostos o desgosto pelo que a vida fez com eles. E pelo que ainda faz. Portador de HIV (ele mulher e filho), sem emprego, vivendo da ajuda do GAPA (que todos possamos um dia ajudar o GAPA) me pede, quase aos prantos, um pão velho, ou qualquer coisa para comer. O desespero dele foi tanto que pediu que eu não soltasse o cachorro neles. Realmente não quero acreditar que alguém possa fazer isso. Não posso, como ser humano. Pediu trabalho, de uma maneira educada e queria lavar o carro em frente ao meu prédio, que ele julgava ser meu, em troca de uma ajuda. Eu não acredito em Deus, senão neste momento estaria me perguntando um "porquê que não tem fim". Mas chorei sozinho. Chorei comigo. Chorei como todos os homens deveriam chorar. Onde estamos? Que palhaçada é essa que chamamos de país? Estas pessoas têm uma vida só. Como a sua e a minha. Têm fome. Têm sede. Têm frio. Têm dor. E não têm esperança. Perguntei o nome dele: Moacir. Meu mestre Moacir. Sim, ele me ensinou mais sobre vontade, força e vida em cinco minutos do que a maioria das pessoas terá a oportunidade de aprender em sua vida inteira. Tirei do bolso o que tinha. Deveriam ser mais de sessenta reais. Pouco. Muito pouco para aplacar a minha dor. Dor lastreada na espécie humana. Pouco. Muito pouco para aplacar o sofrimento e a desilusão dele. Imersa num mar de bosta político-administrativo que reina em nosso país. Apertei sua mão. Fiz questão disso. Não me contive. Chorei baixinho em seu ombro. Pedi perdão pelo que todos fazemos a ele. E ele, paciente, me disse um obrigado quase cristiano.
Onde estão nossas vergonhas? Onde está nossa capacidade de nos importarmos? Onde estão nossos brios, nossa conscieência, nossa benevolência, nossa humanidade? Naquele momento pedi uma bomba nuclear. Quem sabe o extermínio seja pouco para esta raça infame de pústulas nojentas que se dizem sérias, justas e honestas? A cerveja foi cara. O lugar um lixo. As pessoas fúteis. Eu um idiota. Realmente não espero mais nada da raça humana. Pútrida, fétida e nauseabunda. Cambaleante pelos destinos do universo esperando um messias, um salvador. Um Moacir!
"Perdoai Senhor! Eles não sabem o que fazem" (Mt 36,2)

2 comentários:

Anônimo disse...

Senhor.. nao perdoai coisa nenhuma!
todos os seres humanos vem com uma consciencia (pequena.. mas deve vir.. senao, da onde viriam as excessoes? - que deveriam ser regras eu diria)
a gente nao merece o perdao.. a gente merece a consequencia.. da revolta das pessoas injustiçadas.. da natureza injustiçada e do mundo se auto-destruindo por pura proteção. quem consegue ver isso talvez tente se tornar um pouco melhor.. alguns nao por ter consciencia do mal que é, mas pelo egoismo de nao querer merecer todo o castigo q vai ser dado

Miguel disse...

Fernandinha também me revolto com isso tudo mas não sei se a solução pessoal (violência).
Beijos anjo sabe o quanto te adoro