sexta-feira, março 24, 2006

Uma velhinha ...

O quarto em que minha avó está é duplo. Isso quer dizer que ela fica com alguém junto. Para não dizer que é "da galera" eles chamam de "semi-privativo". O legal é dormir na cadeira para acompanhá-la. Dormir em uma cadeira é semi desobediência aos direitos humanos. Entretanto, é tão terrível a coisa que eu nem me meto a falar. A colega de quarto de minha avó é uma velinha tão velinha que se deixar a janela aberta vem um vento e apaga. Ela não fala e é cega de um olho. Eu percebi isso porque o olho é vazado. Magrinha de dar dó. Se alimenta por meio intravenoso. Uma tristeza ...
Mas o pior vem agora. Eu fiquei a noite toda lá, cuidando da minha avó. Uma outra velhinha. Ri, está gordinha, conversa, olha televisão. E ninguém veio ver a velhinha do lado. De manhã, ao menos até a uma e meia da tarde, ninguém veio para vê-la. Balbuciou umas palavras para mim, perguntando algo que não pude entender, mas pude chorar por dentro quando, em vendo que eu não a entendia, ela deixou o corpo cair, novamente, inerte na cama e uma lágrima libertou-se de sua tristeza interior tornando minha vida mais complicada.
Ela tinha uns esparadrapos colados no corpo e eu pensei que era seu nome. Já estava estupefato por alguém colar o nome da pessoa no braço, mas são tantos pacientes que eu até entendi os médicos. Não era. Dizia assim no esparadrapo. "Não puncionar, não registrar."
Não sei o que significa, mas a visão é terrível. Aos poucos descobri que ela não tem nome. Para o pessoal da enfermagem ela é a senhora do quarto 158 leito 2. Para a recepção ela é a Unimed número 071345723. Pelo que vi, para a família ela é uma memória anacrônica. Um efeito histórico com data e hora incertos para desaparecer mas com a vontade de que não ocorra tarde.
Eu descobri que existe coisa pior que a desigualdade social no mundo: desigualdade de amor.
E eu ainda não sei o nome dela ...

Pérolas pelo Tio Sam

Um dia no hospital e todas as pueris noções de igualdade são forçadas a serem postas de lado. Não há ideologia ou paixão que suporte um dia num hospital. Aliás, eu acho que o lugar mais desumano da terra é um hospital. Olha que minha avó está num dos melhores de Porto Alegre, ao menos no mais caro. Quando ela estava se internando o Gerdau estava chegando. Ele muito educado olhou para mim e disse "Boa noite"; eu, sem perder a pose, perguntei "Quem é o senhor cavalheiro?". Saí com "crasse", o cara da recepção ficou sem saber onde se enfiava. Essa gente rica acha que pode cumprimentar todo mundo assim, de graça. Claro que se ele me desse quinhentinhos eu até dizia um boa noite educado. Por milão ia um boa noite aveludado. Com dez milão eu conversava com ele uma hora. Uns cem milão e eu casava de véu e grinalda, "êta homi bão ...".

quinta-feira, março 23, 2006

Campos dourados

Eu não lido bem com a idéia de morte. Definitivamente isso me assusta. Não é fascinação, não é curiosidade é, sim, medo. E acho que acabo atraindo esse tipo de coisa. Sou daquelas pessoas que se o vivente estiver morrendo, eu chego perto, nem que seja para dar um oizinho, e ele vira morrente, na mesma hora. E o pior é que por mais que eu me afaste dela ela, a morte, parece que anda ao meu encalço. É a coisa que mais temo e parece ser a mais presente na minha vida. Tive muitas perdas familiares, não sei lidar com elas até hoje, mas agora eu cuido das minhas duas vós. Ou seja, é gente na fila que não acaba mais. Uma tem 69 e está vendendo saúde, minha irmã que o diga, a outra tem 83 e já vendeu tudo. Ainda tenho uma tia de 90 que só parece que vende, mas não entrega nada. No fim, fico eu sabendo que, mais cedo ou mais tarde, acabarei acordando e dando de cara com ela, a morte, em lençois de gente amada. Espero que seja eu recebido com um sorriso, que não sofram. Entretanto, fico me perguntando qual a diferença. Se sofrer talvez seja a última gota de vida que nos resta, então que soframos. Imediatamente lembro-me de ver parentes com câncer terminal disseminado. Não sofram, por favor. A morte, retiradas todas as lendas que dela contam, é nosso último momento de vida. Pois que seja assim então.
Sentir-se finito é sem dúvida sentir-se impotente. Saber que temos um tempo aqui é saber que não temos tempo para nada. Tudo o que nos insufla medo e o que acaba por formar a tal ética humana (se é que esse conceito existe) tem seu fundo no medo que temos dela, a tal da morte. Eu me sinto o maior medroso. Um dia, não respirar, não sentir, não ver, não ouvir ... não ... simplesmente não. Nada.
Teremos tido tempo? Teremos tido oportunidade? Teremos tido amor suficiente? Teremos tido dor suficiente?
Hoje eu vi a morte de pertinho, minha avó foi internada. Ela me deu um oizinho, a morte. Certamente isso é injusto. Ela sabe o dia que nos encontraremos, eu não. Espero que nesse último encontro às escuras, ela seja uma linda donzela loira que me convide para passear sobre o sol de uma tarde de primavera em lindos trigais dourados, cujo movimento segue o frescor do vento que se lança por sobre nós. Peço apenas dela um sorriso. O último. E, se não for pedir demais, gostaria, também, o mesmo sorriso de todos os que me virem embarcar para esse lugar.
No fundo não devemos temer o que não conhecemos, mas no fundo somos apenas humanos ... até um determinado dia.

terça-feira, março 21, 2006

A César o que é ...

O Brasil é um país terrível em termos de hábitos de consciência. É um abuso reiterado o que ocorre. No Brasil o nosso direito vai até onde o outro pode deixar de ver. Isso é assim em todos os planos. Político, social, econômico, familiar. Tudo. Achamos que podemos fazer algo a mais desde que ninguém note. Podemos nos exceder desde que não incomode ninguém. Isso serve até para bebedeira de bar. Eu posso fazer as coisas desde que não me peguem. Parece que a ética tem olhos. Se cega, não liga. Na política isso se mostra ainda mais aviltante porque ou ficamos na mão do sujo poder legislativo, seus conchavos e acordos, ou do interesseiro poder da mídia que descortina as sujeiras em nossa cara. É preciso perguntar que sujeiras estão sendo descortinadas e a quem interessa isso. Certamente a mídia mostra o que lhe convém e o faz como se mostrasse o pleno dos fatos. É revoltante. Para um exemplo olhem a repercussão do oscar esse ano e comparem no ano passado quando os direitos tinham sido comprados pelo SBT. Comparem o sucesso que os filmes do Senhor dos Anéis fez no mundo e quantas pessoas assistiram eles na televisão.
De novo a força da mídia faz e desfaz impressões. Isso não é somente poder construído e sim uma estrutura maior que está na nossa cultura. Para o brasileiro, o que não é visto não existe e não pode causar mal. Aí se abre uma tremenda brecha para tudo o que se faz de errado nesse país, mesmo em família. Ou você nunca colou tatu de nariz em baixo de classe no colégio?

segunda-feira, março 13, 2006

Dois Negrões Inc.

Estou de mudança. Isso sempre é um transtorno e no meu caso nada agradável. Já devo ter me mudado umas quinze vezes nos meus vinte e nove anos. Teve um ano que me mudei cinco vezes. Isso deveria me conceder o título de expert em mudança, não?
Nada disso, continuo o mesmo atrapalhado de sempre. Perco tudo em mudança. Já perdi cachorro e até namorada. Ambos me foram entregues depois pela empresa de mudança. Gente séria. O cachorro veio intacto, a namorada eu não sei. De qualquer forma perco coisas importantes. Assim, lembrando de um grande amigo pensei em montar a seguinte empresa: Dois Negrões Incorporated. O "incorporated" aqui não quer dizer dois pais de santo incorporados. É uma forma de tornar a coisa globalizada, transnacional. Afinal, dois negrões servem para tudo. Lembrando do meu amigo Cristiano sou obrigado a refazer a afirmação: "Quase tudo!".
Então vamos lá:
- Se você precisasse se mudar e tivesse um monte de caixas para transportar, armários para desarmar, coisas para tirar da parede, etc. você precisaria de ...
- Se você estivesse com uma pessoa te devendo uma verdadeira fortuna e você precisasse desesperadamente cobrar você precisaria de ...
- Se você tivesse uma namorada muito gata com todo mundo dando em cima e você fosse um tampinha cheio da grana você precisaria de ...
- Se você morasse num prédio com uma síndica louca e com vizinhos baderneiros que não deixam você dormir tocando música alta até as quatro da manhã você precisaria de ...
- Se você estivesse com o carro estragado numa rua deserta você precisaria de ...
- Se você tivesse numa festa e um lutador de jiu-jitsu, desses que arrumam briga por nada, resolvesse te incomodar você precisaria de ...
- Se você tivesse uma sogra que não sai do teu pé, e pensa em morar contigo. No caso seria melhor você morar com outras pessoas. Você precisaria de ...
- Se você fosse falar com o teu gerente de banco, levasse aquele xá de banco e depois ele viesse com aquela lenga-lenga de "não podemos segurar a sua conta ... " você precisaria de ...
- Se você fosse para a faculdade para pegar aquele último conceito com aquela cadeira cuja professora sofre da síndrome de Malcom (Malcomida) você precisaria se fazer acompanhar por ...
- Se você casou com uma baranga alucinada que ainda pensa que pode gastar todo o seu dinheiro você precisaria no quarto dela e de acompanhante também ...
- Se você tivesse aquela filha que é um arraso, linda, gostosa, inteligente e ainda com o seu dinheiro no bolso. Só que ela gosta de punks, góticos e raves com drogas, você precisaria de ...
- Se você fosse ao jogo do seu time e entrasse por acaso no portão da torcida do time contrário. Sair vivo dependeria da presença de ...
- Se você fosse um galã ou um cantor famoso e fosse pego de surpresa por um grupo de trinta fãs sua integridade física dependeria de ...

E por aí vai ...
Encontrei a mina de ouro, vou me tornar o Dois negrões' manager sócio-diretor. Agora só preciso dos dois workaholic para começar o maior empreendimento da terra.
Alguém se habilita??
Antes podiam me dar uma mãozinha na mudança, só para teste ...

quinta-feira, março 09, 2006

Um almoço

Dia de almoçar com amigos. Isso nos traz a sensação de que as coisas podem mudar. Sim fazer algo diferente, conversar com pessoas com pontos de vista diferentes. E realmente isso ocorre. Dentre os diversos assuntos que rolam num almoço desses, que originalmente era para ser de negócios, um me chamou à atenção.

Biólogo: Vamos pedir algo para beber?
O príncipe: Sim ...

Calmamente chamei o garçon. Aproximou-se de nossa mesa um rapaz com uma camisa aberta no peito, mangas curtas dobradinhas para mostrar os braços, um colar de miçangas grandes apertado no pescoço, uma tatuagem à mostra no braço, um brinco, um piercing e muito gel no cabelo.

A raposa: Esse cara é estranho ...
O biólogo: Sim, muita atitude ...

Acho que ele matou a questão. Nós homens temos um senso. Estranho mas sentimos algo estranho e podemos até, com um olhar apurado, diferenciar homossexuais. Isso não é discriminação é uma espécie de sentido 24. Mas nunca definimos muito bem o que é. Converso com muitas mulheres que perguntam como sabemos. Agora a resposta esta clara, muita atitude.

quarta-feira, março 08, 2006

Verdade ou Conseqüência

Encontro aos 12 anos com o pai "dela":

O pai = Quais as suas intenções com a minha filha?
O príncipe - As melhores possíveis, o senhor pode ter certeza ...
Comentário da raposa - Sem saber o que são boas ou más intenções ...

Encontro aos 15 anos com o pai "dela":

O pai - Quais as suas intenções com a minha filha?
O príncipe - As piores possíveis ... (risada sarcástica)
Comentário da raposa - Achando que tá arrasando sendo "espertinho".

Encontro aos 18 anos com o pai "dela":

O pai - Quais suas intenções com a minha filha?
O príncipe - Nós estamos nos dando bem, é só isso ...
Comentário da raposa - Tentando fugir de uma responsabilidade que se posta só no olhar ...

Encontro aos 24 anos com o pai "dela":

O pai - Quais suas intenções com a minha filha?
O príncipe - Vamos juntar esforços e tentar viver bem ...
Comentário da raposa - Mostrando uma certa maturidade ...

Encontro aos 29 anos com o pai dela:

O pai - Quais suas intenções com a minha filha?
O príncipe - Eu quero casar com ela! E lhe dar netos ...
Comentário da raposa - Mal de Alzheimer ... tão cedo já sofrendo disso.

domingo, março 05, 2006

Ajuda!!! Ajuda!!!

Senhores por favor,
Saiu um concurso literário do MEC, 80 em prêmios. Gostaria de concorrer em algumas categorias. Aqui fiquei em dúvida em qual dos textos mandar, assim elaborei uma lista com oito, seis para crônicas e dois para poemas e peço a ajuda dos votos de vocês. Obrigado.

crônica

1 - Fronteiras de Prata

2 - Arco Íris

3 - Brincando com as Nuvens

4 - Terra do Nunca

5 - Aurora

6 - Amálgama Imperfeito

poema

1 - Horizonte

2 - Carrossel

Aqui o link para outros escritores amadores companheiros, vamos lá concorrer ...

http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/concursoliterario.pdf

sexta-feira, março 03, 2006

Acre

Desgosto. Quando não se entende o por quê das coisas caímos num limbo que não tem nada de agradável. Nos sentimos impotentes, como se batêssemos numa parede de vidro, onde podemos ver o que ocorre mas interação é impossível. Ver as coisas afastarem-se paulatinamente é terrível. Como um sabor estranho na boca. Como algo que nos é dado e retirado, sem que se diga a causa. Revolta com a situação é o que mais surge. Mas em realidade estamos quase sempre de mãos atadas. Como se apenas pudéssemos sofrer o que vem. Uma pessoa me disse: "Eu não sirvo para platéia". Eu também não. Odeio ser deixado lá.
Tenho sido platéia da minha vida nos últimos tempos. Como uma pessoa amarrada numa cama que pode muito pouco dentro da realidade. Talvez chutar um lençol para o chão, ou gritar por socorro.
O grito não resolve, não há ajuda disponível.
Depois de uma breve mudança, lá vem a impotência de novo.
Viram "Tempo de despertar"? Deveriam, o filme é fantástico.
Estou me sentindo um daqueles doentes ...

quinta-feira, março 02, 2006

Pé-de-Meia

Sim, vivemos num capitalismo desenfreado. Sim, vivemos num mundo onde o ter representa muito mais que qualquer outra coisa. Negar evidências da época que se vive é como ser taxado de insano pelo próprio tempo. Sem problemas com isso, certo?
Errado.
Na realidade isso é tão parte dos julgamentos que se fazem em nosso tempo que é impossível não ser medido pelo que se tem. E o pior é acreditar que se você não tem é porque algum problema há. Se você não tem carro é porque gasta de mais com outras coisas não muito cristãs. Se não tem apartamento é porque não tem um trabalho que possa te prover isso, então é quase um atestado de incompetência.
Pelo que temos vão se formando juízos sobre nós, até aí nada de novo no reino da Dinamarca. Mas pelo que não temos se faz exatamente o mesmo, com efeito bem mais devastador.
É mais fácil aceitar um canalha numa BMW do que uma pessoa honesta a pé. Antes isso era uma grande lenda urbana. Uma forma de pensar que era criticada ainda que praticada. Agora é uma hegemonia.
Hoje eu senti na carne isso. E não reagi muito bem não. Fico pensando nas loucuras que esse tipo de julgamento pode trazer, ainda bem que não sou negro e homossexual.
Pode não parecer, mas esse tipo de pensamento é de uma rudeza absoluta, mas ao mesmo tempo tem uma força de verdade que não pode ser vencida por simples textos ou manifestações.
Assim deixo aqui o meu protesto: Compro BMW apenas para ser uma pessoa melhor ...