domingo, julho 24, 2005

Terra do Nunca

Tem coisas que não nos saem da memória. Lembro-me, como se fosse ontem, de um tombo que levei na infância, quando tinha uns cinco anos. Ganhei uma fantasia de Homem-Aranha, subi numa árvore e pulei de um galho para outro tentando me agarrar. Confiei na fantasia. Ela não funcionou. Como último recurso, enquanto caía, tentei jogar a teia. Também não funcionou. Minha mãe tinha sentido-aranha, quando ela me viu subindo na árvore disse baixinho "vai dar merda!". Deu. Me estatelei no chão. De boca. O choro foi algo. Nunca fui forte para dor, mas naquele momento meu pranto era de raiva. A fantasia tinha dado defeito. Eu queria trocar. Sorte que não ganhei a do Super-Homem, ou do Aquaman.
O tombo foi uma amostra do que pode acontecer quando confiamos em fantasias. O problema é que nunca aprendemos. Tem gente que compra carro pensando que é o Senna. Que compra arma pensando ser o Billy the kid. Tem gente que vai malhar ou faz alguma luta querendo ser o Bruce Lee. Estas fantasias acabam não atingindo o seu objetivo por impossiblidade física. Nos é mais fácil entender que nunca poderemos guiar como o Senna, por exemplo. Quem não entende, morre como ele, aliás ...
Mas e quanto à aquelas fantasias psicológicas? Gente que faz plástica pensando em ser a Marylin Monroe, toma bomba pensando em ser Jean Claude Van Damme? Essas são terríveis. Pois você se mata aos poucos tentando alcançar algo inatingível. Como se o corpo levasse anos para cair da árvore. Décadas até. Contudo, o tombo é muito pior, quase sempre sem volta. Trata-se de uma desilusão que machuca o âmago do indivíduo.
Alguém pensará "essas são as piores ilusões da vida". Eu diria que não. Existem um grupo mais perigoso ainda, cujos efeitos são mais rápidos e devastadores. O tombo é sempre mais perigoso porque está mais perto. São as fantasias que temos todos os dias. Aquela do amor perfeito, do dinheiro que vai resolver todos os problemas, do reconhecimento profissional, das amizades sempre verdadeiras ...
Essas nos martirizam pouco a pouco. Ininterruptamente. Como uma eterna sensação de queda. Um pouco a cada dia. Cada coisa que descobrimos de ruim na vida, nos coloca mais distantes destes pequenos e palpáveis objetivos. Isso é quase mais que uma tortura. A tortura da vida. Conseguir e depois perder. Alcançar para que escorra por entre nossos dedos. Agarrar firmemente e ver sublimar-se ante nossos olhos. Desilusões, sempre desilusões.
Quando crianças tínhamos nosso queridos pais que, de certa forma, nos avisavam disso, diminuindo muito a dor da desilusão. O sentido-aranha. Sempre minorando ou mesmo contendo a desilusão. Uma forma mágica de demonstrar amor que só compreendemos quando tomamos os papéis de pais. Quando o véu da vida se descortina sobre os olhos de uma criança, tirando-lhe a inocência e a fantasia, ela se torna mais dura. A vida e a criança. E, neste exato momento, os pais choram. Seus filhos estão começando a tombar na vida e você percebe que não pode fazer nada. Ainda resta o colo, o ombro e as incontidas lágrimas. Sempre vindas de quem sente e quem sente por não poder sentir no lugar de quem está sentindo. Pais e filhos.
A vida acaba por nos mostrar que os tombos de boca eram a melhor coisa que poderíamos querer, principalmente se fossem seguidos de colo e beijos.
Cada dia parece que caímos de uma altura maior. De tal sorte que depois de 80 anos de quedas o impacto final tem gostinho de descanso. Suave ternura daquilo que esperamos voltar à acontecer. O abraço e o carinho pondo fim nas desilusões. Eu queria a Sininho com o rosto dos meus pais.
Deixo abaixo um poeta maior que soube dizer isso com tamanha beleza que me sinto na obrigação de pedir que leiam até o final este post e "batam palmas" se acreditarem que é possível ... exatamente como na terra do nunca.

Valsa Para Uma Menininha
Toquinho

Menininha do meu coração,
Eu só quero você a três palmos do chão.
Menininha não cresça mais não,
Fique pequenininha na minha canção.

Senhorinha levada, batendo palminha,
Fingindo assustada do bicho-papão.
Menininha, que graça é você,
Uma coisinha assim, começando a viver.

Fique assim, meu amor, sem crescer,
Porque o mundo é ruim, é ruim, e você
Vai sofrer de repente uma desilusão
Porque a vida somente é seu bicho-papão.

Fique assim, fique assim, sempre assim
E se lembre de mim pelas coisas que eu dei.
E também não se esqueça de mim ...
Quando você souber, enfim, De tudo que eu amei.

8 comentários:

Miguel disse...

Agradeço à danny pela música, eu tinha uma vaga lembrança dos "três palmos do chão" e do sentido e achei que o post não seria completo sem a música. Ela achou tudo só com a dica dos palmos ...
Valeu menininha do meu coração ...
Beijos

Anônimo disse...

Nem precisa agradecer querido! Vc sabe q sempre pode contar comigo. Beijos do meu para o seu coração! Danny

Anônimo disse...

amigos verdadeiros não julgam. imaginar ser possível conhecer alguém por ela gostar ou não de Roi Orbison é triste, definitivamente, amizade não está no google.

Miguel disse...

Nâo deinha ... entendeste errado.
Beijos minha flor

Anônimo disse...

como sempre...gostei muito do texto!
beijo, Sandrinha

Anônimo disse...

Excelente!
Gostei mesmo.
Ainda mais com esse título.
Besos

Anônimo disse...

A D O R E I !!!

Anônimo disse...

Miguel, lindos os teus posts, além das palavras que já citei agora posso incluir tbm SENSIBILIDADE. Bj e bom findi.