quinta-feira, setembro 28, 2006

Saída pela direita!

Quem falou que o mundo dá voltas usou, no mínimo um eufemismo. No meu caso ele está me deixando completamente zonzo!
Quem falou que estamos na era da velocidade estava de brincadeira comigo. Lembra daquele ditado: "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come!"? Si non é vero é benne trovato!
Rita Lee que dizia numa música sua o fantástico verso: "Quero voltar para dentro da barriga da minha mãe!"
E eu repito umas trinta vezes por dia o slogan do Popeye "Macacos me mordam!" ou o do Robin "Santa confusão Batman, como vamos sair dessa?" Mas eu não tenho Batman nenhum. No fim disso tudo espero que terminemos como em "E o vento levou ..."
Mas ao fundo lembro-me do velho e saudoso Leão da Montanha ...

quarta-feira, setembro 27, 2006

Das coisas da vida

Eu tenho achado doce o gosto da desilusão. Pode parecer estranho mas é estritamente verídico. Não falo de desilusões amorosas, nem qualquer outra de tipo pueril, mas desilusão no profundo de seu significado. Renego toda e qualquer filosofia piegas de auto-ajuda que procura reafirmar o velho e batido ditado de que tudo tem seu lado bom. Não tem e pronto! Acostumemo-nos. Desilusão é desilusão, cest finit. Não é porta para nada melhor. Não é momento para introspecção. Não é espaço para aprendizado. Não é nem mesmo digno de esquecimento. Desilusão é natural. Como natural também é a tristeza, a solidão, a dor de dente, a fome, a remela e a própria morte. Simples ou complexas, as coisas são naturais. Simplesmente naturais. Como bosta de vaca. Se mexer fede, se deixar endurece e não incomoda.
Taí, conclusão in extremis: desilusão é bosta de vaca. Pensado nesse exato momento. Lembre-se apenas de que a vaca não é você, tampouco, in casu, a merda.
Assim, a constatação mais clara é: "E daí que a vaca cagou?". Não sendo em mim, e desilusão nunca tem como sujeito o desiludido, dane-se o cheiro. Acho que, por isso, a sábia língua portuguesa colocou o verbo desiludir como intransitivo. Segunda conclusão da noite: bosta de vaca é intransitivo. Tão genial quanto a primeira, diga-se de passagem.
Apenas agora me dei conta de que fica estranho fechar as pontas: Bosta de vaca tem gosto doce.
Paciência, lembre-se: é natural.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Rua abaixo

A menina - É por aqui a Praça XV?
O Príncipe - Não ...

Eram umas sete e meia da noite. De uma noite que começava a esfriar rapidamente em Porto Alegre, como as de inverno. Também começava a chover e as luzes do dia se perdiam em meio as nuvens e ao cair da noite. A menina ia na direção completamente contrária da que queria. A praça XV fica no centro e é conhecido ponto de sem-teto, sem-carinho, sem-cuidado, sem-nada ...
Ela, a menina, com frio, molhada e visivelmente maltratada não demonstrou qualquer sinal de agressividade, mas ainda assim era evitada pelos transeuntes. A pergunta tinha um tom melancólico que misturava um certo sentimento de falta de convicção no recebimento de uma resposta e desimportância. Como se pergunta-se ao vento onde se esconde o sol.

O Príncipe - Estás, aliás, bem longe ...
A Menina - É?
O Príncipe - Sim deves seguir a próxima avenida grande e caminhar bastante até o centro.

No mínimo, quarenta e cinco minutos de caminhada. Insólita. Solitária. Penosa. Cruel. Imoral.
Frio e chuva estavam mais do que previstos como forma de açoitar aquela alma. E parecia que ninguém se preocupava com isso. Ela mesma resignava-se a falar com sombras e a ouvir uma cidade de costas.

A Raposa - Vou te levar até a parada de ônibus e tu pegas um até o centro, de lá é mais fácil ir até a praça XV. Assim foges da chuva e do frio.

Dois reais, era o que eu tinha no bolso.
A Raposa, mesmo ela, agredida pela cena procurou acolher uma menina que parecia não enteder a reação minha. Seus olhos demonstravam o espanto que é receber uma mão estendida. Mas a Raposa não pensou no que fazia. A Menina relutava em ir até a parada de ônibus e a Raposa então compreendeu ...

A Raposa - Aqui se pega o ônibus. Você pode usar esse dinheiro para pegar o ônibus e fugir da chuva e do frio ou ir a pé por esta grande avenida até o centro.

Escolha desumana. Escolha nojenta. Nojeira que começa em cada sala de burocrata. Em cada mesa de político. Em cada assinatura carregada de poder e dinheiro e imersa em desconsideração. O entulho explode no peito dos honestos com a força de mil bombas atômicas. O frio e a chuva são seus eternos companheiros. O mísero pão que poderia ela comprar não. País asqueroso.
Desceu ela rua abaixo alguns passos. Escolha feita. Mas antes ela parou e perguntou.

A Menina - Quer de volta os dois reais? - Estendendo a mão com o dinheiro.

Não pude responder. Apenas acenei com a cabeça que não. Honestidade, ombriedade, caráter. Tudo o que falta para tanta gente. E eu então sentei no cordão da calçada e chorei. Chorei pelo por mim. Chorei pelo Brazil. Chorei pelo mundo, acredite, chorei por você. Senti vergonha de ser brasileiro. Senti vergonha de fazer parte de toda uma sociedade capitalista ocidental contemporânea. Vendo a menina se distanciar e a chuva aumentar, talvez eu quisesse me punir pelo que faço a ela. Suporto esse sistema degradante e apenas choro.

Você tem mais escolhas em outubro e em novembro para fazer. Escolhas que podem mudar as escolhas dela. E de tantas outras pessoas.
Por favor ...

quarta-feira, setembro 06, 2006

Alpes gaúchos

Porto Alegre é demais. Todo ano invento novas configurações para as roupas que tenho. Eu tenho a configuração "Sol escaldante", a "Calor abafado", a "Muita chuva e pouco sol", a "Muita chuva e muita chuva", tem também a "Friozinho fresco de carioca", a "Frio gaudério" e tinha a mais forte de todas a conhecida "Frio de renguar cusco". Essa era composta por siroulas, calça de brim (aqui no sul não se usa "jeans", isso é coisa de marica) duas meias, camiseta Hering com mangas longas, "suéter" (é chique e não bixa!) de lã fininho e aí vinha um blusão de lá grossa ou moleton grosso. Para sair na rua, era ainda necessário um bom casaco e cachecol. Essa configuração todo mundo tem de reserva. Cuida para não lavar as peças no inverno, caso um minuano de arrebalde apareça e a temperatura desmaie. Nem liga muito para cores e combinações afinal, quando o queixo bate o olho não consegue ver nada a não ser um bom chocolate quente. Depois, a grande maioria das peças fica por baixo mesmo. O famoso poncho fica guardado num local do guarda-roupa onde você precisa digitar uma senha. Ao fazer isso um alarme soa pela casa e coisinhas mais, digamos, mais sensíveis são forçadas a se recolherem seja a hora que for. Animais de estimação, crianças com menos de cinco anos e idosos com mais de sessenta e cinco e também mulheres grávidas vão para os seus quartos onde desenvolvem técnicas de guerrilha contra o frio. Essas técnicas incluem panela com alcool queimando, bolsas de água quente, cobertores elétricos, muito café quente, panos em baixo das portas e nas janelas, gatos e cachorros para os pés etc. Coisas bem conhecidas dos pampas.
Nesses últimos quinze dias, entretanto, Porto Alegre me surpreendeu. Tive que criar a configuração "Super inverno plus II com abas". É composta de siroulas, suéter, meias, calças de brim exatamente como na outra, mas agora o "improvement" fica por conta de você colocar o blusão de lã e o moleton grosso juntos, um em cima do outro. Para sair, além da jaqueta já mencionada, se sair antes das sete da manhã ou depois das sete e meia da noite leva também um cobertor. Não há muita diferença de horário então aconselho a também dormir com essa roupa, cuidando apenas para trocar as roupas íntimas. A situação é tão perigosa que tenho levado também o travasseiro caso a frente da casa congele e eu precise dormir em algum conhecido. Nesses dias a solidariedade empresta colchão mas cobertores são de uso pessoal e intransferível.
Vou terminando o post que soou a sirene de alerta para quedas bruscas de temperatura. Com isso agora pegamos direto uma pneumonia que pode avançar para tuberculose. Aqui erradicamos a gripe, ela morreu de frio.