A menina - É por aqui a Praça XV?
O Príncipe - Não ...
Eram umas sete e meia da noite. De uma noite que começava a esfriar rapidamente em Porto Alegre, como as de inverno. Também começava a chover e as luzes do dia se perdiam em meio as nuvens e ao cair da noite. A menina ia na direção completamente contrária da que queria. A praça XV fica no centro e é conhecido ponto de sem-teto, sem-carinho, sem-cuidado, sem-nada ...
Ela, a menina, com frio, molhada e visivelmente maltratada não demonstrou qualquer sinal de agressividade, mas ainda assim era evitada pelos transeuntes. A pergunta tinha um tom melancólico que misturava um certo sentimento de falta de convicção no recebimento de uma resposta e desimportância. Como se pergunta-se ao vento onde se esconde o sol.
O Príncipe - Estás, aliás, bem longe ...
A Menina - É?
O Príncipe - Sim deves seguir a próxima avenida grande e caminhar bastante até o centro.
No mínimo, quarenta e cinco minutos de caminhada. Insólita. Solitária. Penosa. Cruel. Imoral.
Frio e chuva estavam mais do que previstos como forma de açoitar aquela alma. E parecia que ninguém se preocupava com isso. Ela mesma resignava-se a falar com sombras e a ouvir uma cidade de costas.
A Raposa - Vou te levar até a parada de ônibus e tu pegas um até o centro, de lá é mais fácil ir até a praça XV. Assim foges da chuva e do frio.
Dois reais, era o que eu tinha no bolso.
A Raposa, mesmo ela, agredida pela cena procurou acolher uma menina que parecia não enteder a reação minha. Seus olhos demonstravam o espanto que é receber uma mão estendida. Mas a Raposa não pensou no que fazia. A Menina relutava em ir até a parada de ônibus e a Raposa então compreendeu ...
A Raposa - Aqui se pega o ônibus. Você pode usar esse dinheiro para pegar o ônibus e fugir da chuva e do frio ou ir a pé por esta grande avenida até o centro.
Escolha desumana. Escolha nojenta. Nojeira que começa em cada sala de burocrata. Em cada mesa de político. Em cada assinatura carregada de poder e dinheiro e imersa em desconsideração. O entulho explode no peito dos honestos com a força de mil bombas atômicas. O frio e a chuva são seus eternos companheiros. O mísero pão que poderia ela comprar não. País asqueroso.
Desceu ela rua abaixo alguns passos. Escolha feita. Mas antes ela parou e perguntou.
A Menina - Quer de volta os dois reais? - Estendendo a mão com o dinheiro.
Não pude responder. Apenas acenei com a cabeça que não. Honestidade, ombriedade, caráter. Tudo o que falta para tanta gente. E eu então sentei no cordão da calçada e chorei. Chorei pelo por mim. Chorei pelo Brazil. Chorei pelo mundo, acredite, chorei por você. Senti vergonha de ser brasileiro. Senti vergonha de fazer parte de toda uma sociedade capitalista ocidental contemporânea. Vendo a menina se distanciar e a chuva aumentar, talvez eu quisesse me punir pelo que faço a ela. Suporto esse sistema degradante e apenas choro.
Você tem mais escolhas em outubro e em novembro para fazer. Escolhas que podem mudar as escolhas dela. E de tantas outras pessoas.
Por favor ...
Assinar:
Postar comentários (Atom)
6 comentários:
Caro Fe
Seus textos são sempre significativos.... gosto muito das tuas linhas... são reflexivas, maduras e espontâneas!
bjos
Lindo....parabéns.
Belo e ao mesmo tempo triste.
Esse teu lado tão humano só faz com que o admire cada vez mais.
Beijos
xaviére que bom te rever por aqui!!
Cris isso é o nosso país cara, já pensou em te candidatar?
Gi, meu amor, dói ainda mais se pensamos em colocar um filho nesse mundo ...
triste, revoltante, doloroso... e tantas mais palavras q poucom definem o q realmente isso significa na pele...
q bom rever teus textos, estava com saudades, bjs... P. Sophia
que bom (re)ver caras novas por aqui. fico feliz. Beijos Sophia
Postar um comentário